terça-feira, 26 de abril de 2011

Inverno





Queria poder usar agora as palavras certas. Mas as palavras certas não existem no Universo inteiro. Não há ninguém que entenda, explique, ou saiba mudar. O lençol desarrumado, as coisas pelas estantes, as gavetas empilhadas. São tantas coisas pra me livrar, que nem sei por onde começo.

A cada fim, me livro de toneladas a mais do que arrecadei. É como se me perdesse um pouco com o passar das estações e então me pergunto: Será que algum dia vou esvaziar por completo?

Me sinto tão cansada. Tão absurdamente cansada. É como se o mundo esperasse eu dormir. O tempo todo. Mas sei que não adianta adiar: preciso enfrentar essa bagunça toda e limpar a sujeira. Dói, contudo adiar mais um dia sequer nessa festa que já acabou vai esvair minhas forças ainda mais. Preciso sair do meio dessa zona antes que vire parte do lixo. E falta uma lasca pra isso acontecer.

Falhei. A cada mentira, indiferença, gesto de egoísmo, sábado de lágrimas, eu percebia que falhara. Haveria muito mais pra se dizer sobre isso, mas relançar um olhar sobre cada folha cujo destino é o grande saco de lixo, é só remoer a dor. Então fico na paz, poupando-me das lembranças, das palavras.

Por isso, quanto às vinganças mal traçadas e pessimamente executadas, só tenho a dizer que ninguém vence. Cada lágrima derrubada por ódio e desespero é mais uma perda pra qualquer lado. Assim, o melhor é tirar os times de campo e rezar por dias melhores. Encaixotar o que não der pra jogar fora, mas se livrar do máximo possível.

Vejo os copos vazios e me pergunto por quanto tempo vou preenchê-los só com água esperando desesperadamente colocar uma flor dentro deles. Deve demorar. Cada vez demora mais. Viro uma corrente de forças homéricas que as pessoas gostam e temem. E "aquilo" me espreita sobre a cabeça. Toda aquela luz surgindo de mim e somente pra mim. Tenho medo de um dia subir e nunca mais descer desse pedestal. Só depender de si é um preço muito alto a se pagar, por isso me desespero tanto cada vez que faço uma escolha torta. Cada vez nasço com mais traços característicos de minha personagem mais cínica. Cada vez chego mais perto de me tornar a personagem que prendi lá no alto da torre do castelo.

Que morram as rosas, sequem os oceanos e cessem todas as canções. Mas que tudo volte na primavera. E que o inverno seja breve e não me congele mais do que o necessário pra sobreviver. Enquanto isso pretendo escrever. Até calejar os dedos. É meu único jeito de rezar.


Ceiça Sousa

Um comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...